Perdemos Silvio Coelho dos Santos...

Conheci o trabalho do antropólogo Silvio Coelho dos Santos quando, aos 13 ou 14 anos, li um "velho" livro de História de Santa Catarina que minha mãe guardava desde seus tempos de estudante de Ciências Sociais, na estante lá de casa. Digo "velho" e utilizo as aspas porque usei o "bendito" para fazer muitos trabalhos de "Integração Social" durante o colégio e, em 2006, 30 e poucos anos após minha mãe tê-lo comprado, a ele recorri para estudar pro vestibular de História da UDESC... Hoje, é verdade, numa nova edição (onde as alterações referem-se basicamente aos dados estatísticos sobre a população catarinense), o livro continua aí, firme e forte, tão gostoso de se ler como antigamente! De "velho" não tem nada...
Eu soube agora,daqui da França e com dois dias de atraso, que o Professor faleceu neste domingo de eleições, dia 26 de outubro. A última vez em que o vi (e a primeira vez em que o vi pessoalmente!), foi em 2005, quando ele participou da banca examinadora da dissertação intitulada Política energética, sustentabilidade e direito: licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas no Estado de Santa Catarina, de autoria da amiga Ana Carolina Casagrande Nogueira. Nesta ocasião, o professor nos falou das populações indíginas que, em Santa Catarina e em todo o Brasil, têm sido dizimadas e perdido sua (pouca e improdutiva, mas SUA) terra para a construção de barragens/ de usinas hidrelétricas.
Morreu cedo, aos 70 anos. Mas seus escritos e sua atuação ficam aí, a nos servir de exemplo. E, falando em exemplo, aqui vai um trecho da última entrevista concedida pelo Professor Silvio à Agência de Comunicação da UFSC (AGECOM). Nela, o Antropológo nos fala sobre leitura e sobre o prazer de ler:

"Quais foram as suas primeiras leituras e que lembranças guardou delas?
Sílvio Coelho dos Santos – Minhas leituras iniciais foram os gibis, seguidos pelos livros de aventuras, como os da coleção Terramarear, Tarzan e outros neste gênero. Nos fins de semana, trocava gibis com os amigos no cinema, velha prática entre a criançada. Mesmo numa casa de poucos livros, era estimulado a ler pela mãe. No quinto ano primário, fui escolhido para redigir o jornalzinho do colégio (G. E. Dias Velho), e nessa função tinha contato freqüente com o diretor da Imprensa Oficial do Estado, que funcionava na rua Tenente Silveira. Lá, eu e meus colegas ganhávamos muitos livros. Era uma época de declamações, de leituras de Monteiro Lobato, e esse ambiente – e o seguinte, no ginásio – estimulou meu contato com a área de Ciências Humanas, que acabei abraçando mais tarde.

A opção pela antropologia ajudou ou inibiu um contato mais íntimo com a literatura?
Sílvio – Sempre li muito, mas das aventuras dos livros passei para a aventura das expedições antropológicas, das pesquisas de campo. Minhas leituras, por razões óbvias, tenderam para a área da antropologia, e quando lia textos mais leves, para me distrair, optava por uma literatura mais comprometida socialmente. Foi assim que devorei os livros da primeira fase de Jorge Amado, quando este tinha uma postura crítica e era filiado ao Partido Comunista. Um de meus gurus é Darcy Ribeiro, que sempre praticou uma linha mais aberta na antropologia, em sua tentativa de interpretar o Brasil.

Falando em literatura, quais são seus autores prediletos?
Sílvio – Na literatura brasileira, gosto dos clássicos, como Guimarães Rosa, e em Santa Catarina busquei textos que me mostrassem o lugar que eu estava pisando, o que ocorre até hoje. Também leio os amigos, como Almiro Caldeira, morto no ano passado, do qual a EdUFSC vai lançar no próximo dia 6 (de setembro) o romance O lume da madrugada. Outro tema que sempre me atraiu foi o do Contestado, por meio de autores como Maurício Vinhas de Queiroz, que é excepcional, e Guido Wilmar Sassi, um dos melhores do Estado na área da ficção. Há pouco, li Paulo Pinheiro Machado, que organizou um volume com leituras contemporâneas do episódio do Contestado. Também acabei de ler 13 Cascaes, com contos de autores catarinenses sobre a vida e obra do folclorista Franklin Cascaes.

Qual foi a maior lição que tirou de sua militância na antropologia?
Sílvio – Vivemos numa sociedade colonialista, violenta e que não respeita os que são desprovidos de recursos econômicos e representação política. Se a população negra é tradicionalmente desprestigiada e nunca se liberta, com os índios é pior ainda. Um exemplo de intransigência são as resistências às políticas de ações afirmativas dentro da própria universidade. Como somos uma extensão da sociedade, é possível ter assim uma dimensão do problema. Lembro-me de que nos anos 40 a Ilha de Santa Catarina era mais solidária. Na época, os açorianos tradicionais que pescavam tainhas sempre mandavam às viúvas e às famílias pobres o seu quinhão de peixe. Hoje, isso não existe mais. Quem sai da universidade, por exemplo, pensa somente na carreira e no dinheiro que vai ganhar, sem qualquer compromisso social"

Fonte: o texto da entrevista está disponível no site da AGECOM: http://www.agecom.ufsc.br/index.php?id=7928&url=ufsc, em matéria intitulada Solidário com as minorias, do dia 28 outubro 2008.

Um comentário:

Rafael Filippin disse...

Vi e ouvi o Prof. Sílvio uma única vez, nessa mesma oportunidade, da defesa da nossa querida Ana Carolina. Foi um privilégio. Que Deus o tenha. Mas apesar da notícia triste, o blog está muito legal!Um grande abraço!