Budapeste...

...encontrei uma livraria aberta, entrei; se amanha deixasse o pais sem conseguir juntar duas palavras, levaria um dicionario como suvenir. Cheguei a uma prateleira repleta de grossos volumes, corri os olhos pelos titulos hungaros em seus dorsos e tive a visao de uma biblioteca deveras desorganizada, caotica. Depois observei melhor, e as capas estavam todas alinhadas, as letras é que pareciam fora de ordem. Por isso me chamou a atençao o livro mais modesto, mas com um titulo legivel: Hungarian in 100 lessons. Numa folheada entrevi alguns exercicios de conversaçao; este trem vai para a Bulgaria?; minha esposa é vegetariana; quanto mede o velho obelisco?; preciso comprar candelabros baratos; onde mora aquele soldado? Entao percebi a moça alta com uma mochila nas costas que olhava o livro em minhas maos e abanava a cabeça.  Pensei tratar-se de uma fiscal da casa, e que fosse proibido aos fregueses manusear a mercadoria. De pronto lhe estendi o livro, que ela agadanhou e jogou de qualquer jeito no fundo de uma prateleira. A rispidez do gesto, presumi que fosse uma caracteristica dos hunos, como as maças do rosto dela, um tanto salientes, ou os labios que julguei crueis, porque sem muita polpa. E quando ela afirmou que a lingua magiar nao se prende nos livros, fiquei pasmo, porque a sentença me soou perfeitamente inteligivel. Ainda me perguntei se ela teria se expressado em português, inglês, ou mesmo em romeno, mas tanto era hungaro que nao distingui uma so palavra. E contudo, nao me restava duvida, ela afirmara que a lingua magiar nao se aprende nos livros. Budapeste, CHICO BUARQUE.

LE CHAT (Charles Baudelaire)

Viens, mon beau chat, sur mon coeur amoureux;

Retiens les griffes de ta patte,

Et laisse-mor plonger dans tes beaux yeux,

Mêlés de métal et d'agate.


 Lorsque mes doigts caressent à loisir

Ta tête et ton dos élastique,

Et que ma main s'enivre du plaisir

De palper ton corps électrique,


Je vois ma femme en spirit. Son regard, 

Comme le tien, aimable bête,

Profond et froid, coupe et fend comme un dard,

 

Et, des pieds jusques à la tête,

Un air subtil, un dangereux parfum,

Nagent autour de son corps brun.